Publicado por Durval em
Desde que surgiram as primeiras concepções de um colegiado de cidadãos que representassem as diferenças territoriais da cidade e as trouxesse para compor as ações do poder público municipal, já estava delineada a participação do Conselho Participativo Municipal (CPM) nas políticas de desenvolvimento urbano da cidade. Isto ocorreu na Lei Orgânica do Município (LOM), que em 1990 organizou o exercício do poder municipal segundo princípios de prática democrática, participação e controle social. Além de definir as atribuições e o funcionamento dos poderes executivo e legislativo municipal, a LOM determinou a criação dos Conselhos de Representantes vinculados às áreas administrativas do município – que mais tarde viriam a se tornar os atuais Conselhos Participativos das Subprefeituras.
No artigo 55, a LOM inclui, entre as atribuições do Conselho de Representantes, “participar, em nível local, do processo de Planejamento Municipal [...] bem como do Plano Diretor e das respectivas revisões”. Este papel foi corroborado na Lei 13.881, de 2004, que implementou o Conselho de Representantes e menciona, como um de seus princípios (art. 2º), a “colaboração na promoção do desenvolvimento urbano” e, entre suas atribuições (art. 9º), “zelar pela aplicação das leis urbanísticas, em especial as relativas ao Plano Diretor, Estatuto da Cidade, uso e ocupação do solo e legislação ambiental”, e também “debater e apresentar sugestões para o Plano Diretor da cidade, bem como para os planos diretores da região, distritos e bairros, e de operações urbanas na área de sua abrangência”.
Plano Diretor Estratégico
Quando, em 2013, por meio da Lei 15.764 e do Decreto 54.156, o Conselho Participativo Municipal foi criado e regulamentado para substituir o Conselho de Representantes (então considerado inconstitucional pelo Judiciário, decisão revertida em 2021), as questões relativas à política urbana foram removidas da lista de atribuições dos conselheiros. No entanto, essas atribuições retornaram de forma mais consolidada em 2014, quando da aprovação da Lei 16.050, o Plano Diretor Estratégico (PDE), principal instrumento de política de desenvolvimento urbano da cidade, que menciona o Conselho Participativo Municipal em dez dos seus 393 artigos.
Muito poderia ser dito sobre o que é Política de Desenvolvimento Urbano, mas aqui vamos nos ater à definição contida logo no primeiro parágrafo do primeiro artigo do PDE:
A Política de Desenvolvimento Urbano é o conjunto de planos e ações que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território, de forma a assegurar o bem-estar e a qualidade de vida de seus habitantes.
A função social da cidade é um conceito fundamental, baseado na premissa de que a cidade atender às necessidades de todos os cidadãos, promovendo a qualidade de vida, a justiça social, o acesso aos direitos sociais e o desenvolvimento socioeconômico e ambiental, o direito à moradia digna, o acesso ao saneamento básico e à infraestrutura urbana. É um conceito alinhado aos princípios do próprio CPM, entre os quais se destaca "a colaboração na promoção do desenvolvimento urbano, social e econômico da região e no acesso de todos, de modo justo e igualitário, sem qualquer forma de discriminação, aos bens, serviços e condições de vida indispensáveis a uma existência digna" (Dec. 54.156/13, art. 3º, inciso III).
As atribuições do CPM relativas à Política de Desenvolvimento Urbano estão sumarizadas no artigo 325 do PDE:
Art. 325. Os Conselhos Participativos Municipais ou os Conselhos de Representantes das Subprefeituras, quando estes vierem a ser constituídos, têm como atribuições, dentre outras:
I – acompanhar, no âmbito do território da Subprefeitura, a aplicação do respectivo Plano Regional e dos Planos de Bairro e da ordenação e disciplina do parcelamento e do uso e ocupação do solo, participando ativamente de todo o processo de elaboração dos mesmos;
II – manifestar-se sobre os Planos de Bairro que venham a ser apresentados no âmbito do território da Subprefeitura;
III – opinar sobre planos e projetos específicos integrantes do Plano Regional;
IV – indicar ao Conselho Municipal de Política Urbana ações prioritárias consideradas mais relevantes, até maio de cada ano;
V – indicar membros para compor o Conselho Municipal de Política Urbana, respeitada a proporção macrorregional;
VI – encaminhar propostas de revisão do Plano Regional;
VII – opinar sobre Projetos de Intervenção Urbana no âmbito do território da Subprefeitura.
Como vemos, o PDE determina que o CPM participe não só da elaboração e revisão do próprio PDE, como também de outros instrumentos urbanísticos no âmbito dos territórios de cada subprefeitura, tais como o Zoneamento, os Planos Regionais das Subprefeituras, os Planos de Bairro e Planos de Intervenção Urbana.
Conselho Municipal de Política Urbana
O PDE 2014 criou o Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU), órgão colegiado presidido pelo secretário da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), composto por 60 conselheiros, sendo 26 do poder público e 34 da sociedade civil, dentre os quais, 8 representantes dos Conselhos Participativos, um de cada Macrorregião (agrupamentos de subprefeituras) da cidade, com a finalidade de estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Municipal de Desenvolvimento Urbano, bem como acompanhar e avaliar sua execução.
O CMPU constitui a principal instância participativa de discussão da política de desenvolvimento urbano na cidade. Nos últimos anos, a revisão do PDE e da Lei de Zoneamento foram temas de intensos debates nas reuniões do CMPU, que podem ser assistidas pelo YouTube, no canal da SMUL.
O mandato no CMPU, assim como no CPM, têm duração de dois anos, com início aproximadamente seis meses depois do CPM. Portanto, nos primeiros meses do mandato, os Conselhos Participativos têm a incumbência de indicar quais serão seus representantes no CMPU. Para isso, é importante que cada CPM inicie logo o diálogo e a articulação com os demais CPMs da sua Macrorregião, a fim de identificar quem, entre os conselheiros, é o mais apto e disponível para os trabalhos do CMPU. Não há requisitos obrigatórios além dos que os conselheiros participativos já atendem, mas é recomendável que o(a) representante tenha familiaridade com temas de urbanismo e legislação urbanística; a formação em arquitetura e urbanismo, direito, geografia etc podem ajudar o representante a acompanhar melhor os debates, que frequentemente abordam questões técnicas.
Zoneamento
A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), também conhecida como Lei de Zoneamento, é uma lei derivada do PDE que divide a cidade em "zonas" e determina para cada zona os tipos de uso permitidos – residencial, comercial, industrial, de preservação ambiental etc – e os parâmetros de construção – altura das edificações, número de pavimentos, coeficientes máximos e mínimos de área construída, recuos das divisas, quantidade de vagas de garagem etc.
Além da participação por meio da representação do CPM no CMPU, o CPM tem o papel fundamental de mobilizar a sociedade local e ajudar a organizar as audiências públicas que, por lei, devem ser realizadas nos territórios durante a elaboração e revisão do Zoneamento, assim como no caso do PDE e de outros instrumentos urbanísticos de âmbito local.
Planos Regionais
As Subprefeituras, com apoio técnico da SMUL e participação dos CPMs, são os órgãos responsáveis pela elaboração dos Planos Regionais, que buscam aplicar os objetivos e diretrizes do PDE e do Zoneamento ao território das Subprefeituras, detalhando-os em função de características locais.
Os Planos Regionais definem "Perímetros de Ação", que são áreas delimitadas dentro do território da Subprefeitura com demandas específicas. Para cada Perímetro de Ação, o Plano Regional propõe objetivos e diretrizes para sanar problemas e demandas localizadas.
Na data desta escrita, os Planos Regionais das Subprefeituras mais atualizados eram os de 2016 e podiam ser baixados no neste link do portal Gestão Urbana, da Prefeitura.
É recomendável que o Conselheiro Participativo leia o Plano Regional da sua Subprefeitura, pois é uma forma interessante de compreender as questões urbanas locais, que oferecerá subsídios para as decisões que terá de tomar ao longo do mandato.
Os Planos Regionais também são referência indispensável para orientar a elaboração dos Planos de Bairros.
Planos de Bairro
Numa escala que vai do genérico ao específico, podemos dizer que os Planos de Bairro são o estágio seguinte aos Planos Regionais, diminuindo a abrangência territorial a fim de permitir maior detalhamento de problemas e soluções, chegando à escala de tratamento quadra a quadra.
Mas, diferentemente dos Planos Regionais, cuja execução está atribuída às Subprefeituras no sistema de planejamento municipal, espera-se que os Planos de Bairro surjam a partir da iniciativa espontânea de associações de bairro e organizações da sociedade civil. O PDE determina que a Prefeitura apenas "deverá fomentar a elaboração dos Planos de Bairro", mas não especifica de que forma se dará este fomento.
O primeiro problema para a elaboração de um Plano de Bairro é a definição de seus limites territoriais. A cidade está oficialmente dividida em distritos – são 96 ao todo, cada um contendo vários bairros – mas o PDE não prevê a elaboração de "Planos Distritais". A quantidade exata de bairros existentes na cidade é desconhecida e não há divisas oficiais entre eles; estes limites podem ser subjetivos, definidos a partir de identidades geográficas, afetivas, culturais ou socioeconômicas.
O segundo problema é que planos urbanísticos requerem assessoria técnica profissional, o que implica custos financeiros, dificultando que a iniciativa seja tomada por associações de bairro.
Apesar das dificuldades, alguns poucos bairros na cidade, com o apoio de fundações e universidades, conseguiram desenvolver seus Planos, tais como o Jardim Lapenna, o Jardim Pantanal e o Jardim Piratininga, que merecem ser conhecidos. Na data desta escrita, o CPM da Subprefeitura de Pinheiros, em parceria com associações locais, estava empenhada em iniciar o desenvolvimento do Plano de Bairro de Pinheiros. Mas a ausência de Planos de Bairro para a quase totalidade do território da cidade segue sendo uma grave lacuna no sistema de planejamento urbano municipal e talvez um dos maiores desafios para os CPMs.
O Conselho Participativo Municipal (ou o Conselho de Representantes, quando vier a ser instituído), que é composto por representantes dos bairros, é o único organismo reconhecido pelo poder público com a atribuição de levar as demandas locais e as vocações particulares dos bairros para o planejamento público, e pode assumir um papel protagonista na articulação entre a sociedade e o poder público para o aperfeiçoamento dos Planos de Bairro, bem como para os demais instrumentos urbanísticos que regem a política de desenvolvimento urbano da cidade.
*Durval Tabach é arquiteto, conselheiro participativo municipal da Subprefeitura da Vila Mariana desde 2020 e membro do Conselho Municipal de Política Urbana desde 2021