Minha experiência no Round N Around Design Lab

Enquanto isso, nos estúdios...

Atualização 7/2/17: A publicação bilíngue com os resultados completos do projeto pode ser lida online aqui ou baixada em formato PDF aqui.

Eu não poderia imaginar o que estava para acontecer quando, navegando despretensiosamente pelo Facebook, esbarrei num convite para um projeto colaborativo de fomento à mobilidade por bicicleta em São Paulo por meio da aplicação de técnicas de “design persuasivo” e “urbanismo tático” – coisas que eu não sabia exatamente o que significavam, mas os nomes eram ótimos!

O projeto Round N Around, liderado por pesquisadores do Citizen Data Lab, da Universidade de Ciências aplicadas de Amsterdã, em parceria com o Inovalab, da USP, buscava voluntários para propor maneiras de incentivar o uso da bicicleta em São Paulo usando tecnologias digitais, visualização de dados, redes sociais, internet das coisas etc. Eram apenas 20 vagas e as inscrições já estavam se encerrando, mas com essa descrição eu não tinha como não responder.

E lá estava eu numa manhã de segunda-feira estacionando minha bici no belo e recém-inaugurado prédio da Escola Britânica de Artes Criativas. Sua arquitetura, de espaços abertos e amplos, era um prenúncio do que estava para acontecer. Não tive como não lembrar dos bons tempos da FAUUSP e seus estúdios democráticos, onde a criatividade germinava (aliás, a presença de vários fauuspianos de diferentes gerações entre os participantes e palestrantes foi grata surpresa). Na sala com pé-direito alto e grandes janelas com vista para a cidade, encontrei uma recepção acolhedora com chá, café e bolo, uma atmosfera despojada e pessoas com os mais diversos perfis (tinha até quem não pedalasse), mas todos com uma compreensão, que às vezes falta aos paulistanos, da importância dos espaços públicos como local de convívio e construção de cidadania em vez de apenas local de passagem.

Foram quatro dias intensos, intercalando muitas palestras com a criação de projetos em estúdio e na rua (veja abaixo um sumário e clique nos links para saber mais). O fato de ter me locomovido exclusivamente por bicicleta nesse período, algo que não posso fazer na minha rotina normal, decerto ajudou a entrar no clima. Foram 20 km por dia, nos quais os congestionamentos estressantes foram substituídos por momentos divertidos e reveladores, a maior parte dentro da segurança das novas ciclovias da cidade.

Como participante mais velho do grupo, me concedo o direto de fazer um comentário de tiozão, que talvez soe um pouco óbvio aos mais novos: há tempos afastado de atividades acadêmicas como esta, fiquei impressionado com a velocidade alucinante com que se produz e se reproduz informação. Eu, que me considerava tech-savvy (pelo menos comparado com as pessoas da minha geração), confesso que em alguns momentos não acreditei que seria possível produzir todo o material a que nos propomos num tempo tão curto, mas graças à molecada com quem trabalhei, criada à base de internet e transitando com naturalidade entre celulares e notebooks, whatsapps e google drives, entendi melhor as amplas possibilidades que o presente e o futuro próximo nos reservam.

Aprendi que indivíduos ou pequenas comunidades locais, munidos de boas intenções, um pouco de criatividade e algumas ferramentas hoje bastante acessíveis, podem fazer a diferença no destino das nossas cidades e da sociedade, detonando transformações concretas e duradouras, mais profundas do que as que eventualmente conseguimos por meio do voto em eleições bienais. Não é um processo simples nem rápido, mas é possível, ou mais que isto: ele já começou e é irreversível, como os movimentos ciclistas de São Paulo e outras cidades demonstram.

Voltar à rotina do automóvel numa sexta-feira de protestos na cidade, enlatado a 9 km/h depois de quatro dias deslizando feliz a 16 km/h, foi um balde de água fria, mas ficou suportável graças à sensação gostosa de ter voltado de uma viagem edificante (sem ter saído da minha cidade), que possibilita enxergar as coisas velhas com novos olhos.

 

As palestras

Martijn de Waal, líder do projeto, abriu as palestras com diversos exemplos de táticas urbanas para apropriação do espaço público, como o SMSlingshot, estilingues que lançam mensagens de texto sobre as fachadas dos prédios, e os Urbanimals, projeções de animais sobre o chão e paredes que interagem com os transeuntes, entre outras ações que quebram o hábito de (não) observação do entorno e levam as pessoas a tomar consciência do ambiente urbano.

Gabriele Colombo, do Politecnico di Milano, desenvolve formas de organizar dados urbanos em mapas e imagens para possibilitar a análise de questões que de outra forma seriam difíceis de visualizar.

André Leme Fleury, da USP, falou sobre como a internet das coisas pode ajudar o ciclismo a se tornar uma atividade mais inteligente e transformadora.

Albert Pellegrini contou um pouco da história do ciclismo em São Paulo (sabia que o primeiro velódromo do país fica onde hoje é a Praça Roosevelt?).

Natália Garcia, do Cidades para pessoas, falou sobre a relação das ciclovias com a malha de córregos e cursos d'água espalhados pela cidade, escondidos debaixo do asfalto, e explicou porque considera que pedalar em São Paulo é uma experiência revolucionária.

Marteen Woolthius, da Cyclespace, acredita que as cidades precisam da bicicleta para manter a boa forma no futuro e que essa mudança começa "de baixo para cima", para depois sensibilizar o poder público a tomar medidas "de cima para baixo". Recomendou que os paulistanos criem o cargo de "prefeito da bicicleta" para cuidar dos assuntos ciclísticos da cidade. Candidatos?

Lucas Newman de Antonio apresentou o Mapadaqui, um site que permite a qualquer pessoa gerar um mapa da suas redondezas para imprimir e fixar em postes e paredes. As pessoas podem então preencher à mão a localização de estabelecimentos comerciais e pontos de interesse. A iniciativa visa facilitar a vida de pedestres de forma colaborativa.

Andrei Speridião apresentou o Bueiros conectados, um projeto de internet das coisas em que um sensor é implantado nas tampas de bueiros para monitorar enchentes, necessidade de manutenção e limpeza.

Ricardo Correia, da TC Urbes, falou sobre os desafios para o desenvolvimento de projetos de ciclovias em diferentes cidades brasileiras. Ressaltou a necessidade de as ciclovias serem realmente acessíveis, servindo a pessoas de todas as condições físicas, incluindo crianças e idosos.

Ana Carolina Nunes falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que decidem pedalar.

André Arcas mostrou o Woole e Daniel Demeter falou sobre o Mub Maps, aplicativos semelhantes que pretendem ser uma espécie de Waze para ciclistas. Os algoritmos de cálculo de rotas para automóveis, a partir dos quais esses aplicativos foram desenvolvidos, não levam em consideração aspectos importantes para quem pedala, que podem influenciar na escolha de um rota, tais como relevo, presença ou não de ciclovias ou vias de tráfego pesado. O Woole (no momento aceitando colaborações via crowdfunding) resolveu isso traçando rotas manualmente, e o Mub Maps, contratando desenvolvedores para incluir esses parâmetros no algoritmo.

Danilo Cersosimo, da Ipsos, falou dos expressivos avanços em mobilidade em Bogotá nas últimas gestões municipais, durante as quais o transporte público e as ciclovias receberam prioridade, bem como dos próximos desafios que se apresentam aos próximos gestores.

Os projetos

O objetivo deste Design Lab era propor soluções para questões surgidas em uma oficina anterior, que reuniu ciclistas de São Paulo em setembro, em que se concluiu que eram necessárias ações de comunicação para persuadir gestores e opinião pública da importãncia de se promover o uso da bicicleta como forma de tornar a cidade mais eficiente, saudável e habitável. Cada grupo deveria escolher um desafio de design que contemplasse um dos tópicos apresentados, tais como "nós existimos", "um carro a menos", "nós con$$umimos", "somos rápidos", "vivenciar a cidade", entre outros, no contexto local de São Paulo. Não por acaso, os quatro grupos trabalharam, de uma forma ou de outra, com a questão do respeito ao ciclista e da falta de segurança para pedalar nas ruas da cidade. Pesquisas de opinião mostram que o medo do tráfego é o principal motivo que impede as pessoas de usar bicicletas.

Vale lembrar que todas as ilustrações, textos, fotos, vídeos, sites, páginas em redes sociais, protótipos, ações e apresentações foram elaborados em apenas quatro dias, durante os quais os participantes ainda dedicaram boa parte do tempo às palestras (além dos ótimos almoços e happy-hours oferecidos pelos holandeses!).

O projeto do Grupo 1 foi o Empatraffic, com ações pra promover o respeito entre pedestres, ciclistas e motoristas, por meio de 3 subprojetos. Utilizando gamification, o Bike Parade pode ser definido como uma mistura de 'Pokemon Go' com Cow Parade: bicicletas artísticas reais e virtuais seriam espalhadas pela cidade para que as pessoas, usando um aplicativo de celular, busquem nelas informações sobre ciclismo, leis de trânsito e respeito ao próximo. O segundo subprojeto é um jogo de tráfego para crianças: assumindo alternadamente o papel de ciclistas, motoristas e pedestres, elas ganhariam recompensas cada vez que tivessem um comportamento correto em relação aos outros em simulações de locomoção pela cidade. O terceiro subprojeto são performances nos semáforos, mostrando de forma divertida a desproporção de tempo que os pedestres têm de esperar para atravessar uma rua em comparação com o tempo para os carros.

O Grupo 2 apresentou o projeto Todos Ganham, uma iniciativa que procura estabelecer um diálogo entre ciclistas e não ciclistas no intuito de melhorar a experiência em São Paulo como uma cidade mais compartilhada e mais ciclável.

O trabalho do Grupo 3, do qual eu fazia parte, foi o #Abraterua. Criamos uma estrutura simples e barata de tubos de PVC, apelidada de 'trolha', que faz com que a bicicleta ocupe o mesmo espaço de um automóvel no trânsito. A ideia é usá-la em performances, em que vários ciclistas estariam pedalando primeiro com as 'trolhas' e depois elas seriam removidas, numa demonstração explícita e instantânea do benefício que as bicicletas proporcionam à circulação dos carros, por ocuparem muito menos espaço nas vias. As 'trolhas' podem ser transformadas em parklets portáteis, transportados pelas bikes. Durante a apresentação dos projetos, nosso protótipo foi adaptado para servir como bicicletário, em frente ao local do evento. A estrutura foi doada ao estabelecimento, que costuma receber ciclistas e vai usar uma vaga de automóvel para estacionar várias bicicletas.

O Grupo 4 foi o Somos 6%, nome que alude à porcentagem de ciclistas mulheres, segundo levantamentos da Ciclocidade. O projeto propõe facilitar a inclusão de mulheres que desejam começar a pedalar, promovendo uma rede de apoio, grupos de pedal, testemunhos etc.

Casa cheia durante as palestras, abertas à participação de qualquer interessado.

Delineando os desafios.

Ilustração da 'trolha' (feita com ArchiCAD), parte do trabalho do Grupo 3.

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